Equipe liderada por brasileiro do Observatório do Valongo da UFRJ descobre anel “impossível” em torno de asteroide!

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04/02/2023

Equipe liderada por brasileiro do Observatório do Valongo da UFRJ descobre anel “impossível” em torno de asteroide!

 

Quaoar é um dos pequenos corpos do nosso Sistema Solar conhecidos como objetos Transnetunianos (TNOs), por orbitarem a região além do planeta  Netuno. Com mais de 1000 km de diâmetro este objeto é candidato a planeta-anão. Ele se encontra a uma distância de 41 vezes a da Terra ao Sol (Netuno está a 30 vezes a distância Terra-Sol). TNOs são fósseis praticamente intactos da formação do Sistema Solar. Catalogar suas características físicas é fundamental para o entendimento de como o Sistema Solar se formou e evoluiu até os dias atuais.

 

Legenda: A órbita do TNO Quaoar em comparação com as órbitas dos planetas gigantes: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Fonte: JPL Horizons.

 

Até 2013, anéis eram conhecidos apenas em torno dos planetas gigantes. Foi uma grande surpresa quando a mesma equipe descobriu os primeiros anéis em torno de pequenos corpos..  Estas descobertas foram feitas utilizando a técnica das ocultações estelares, em 2013 envolvendo o Centauro Chariklo e em 2017, o planeta anão Haumea. Prever uma ocultação estelar significa saber com precisão as posições das estrelas no céu e as órbitas dos pequenos corpos. Hoje, ocultações estelares fornecem medidas com precisão da ordem do quilômetro, só alcançáveis com sondas espaciais in loco. Para observar ocultações estelares, colaborações globais são necessárias, uma vez que o evento pode ocorrer em diferentes locais da Terra.

 

Legenda: Diagrama de uma ocultação estelar e o cone de sombra passando sobre a superfície da Terra. Cada um dos observadores (ilustrados como os pontos vermelhos) irão ver diferentes regiões da sombra do objeto ocultador, como ilustrado na figura no canto inferior direito. Fonte: Revista Brasileira de Astronomia, Volume 4, Número 16.

 

A descoberta do terceiro sistema de anéis ao redor de um pequeno corpo, o TNO Quaoar, foi publicada na revista Nature, edição do dia 09 de fevereiro de 2023, tendo como autor principal o Dr. Bruno Eduardo Morgado, professor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ). Este estudo foi desenvolvido como parte da colaboração Lucky Star, sob a liderança do Dr. Bruno Sicardy do Observatório de Paris (Paris, França) e só foi possível graças a uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. Este estudo contou com a participação de pesquisadores em diversos institutos ao redor do globo, como: Observatório de Paris (Meudon, França), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Rio de Janeiro, Brasil), Universidade de Oulu, (Oulu, Finlândia), entre outros. O trabalho também contou com a participação de grandes telescópios profissionais, telescópios robóticos, pequenos telescópios da comunidade amadora e até mesmo o telescópio espacial CHEOPS da Agência Espacial Europeia (ESA).

 

A descoberta do anel se deu através da detecção de pequenas quedas de brilho na luz das estrelas ocultadas, momentos antes e depois do próprio Quaoar passar na frente dessas estrelas. Estas quedas de brilho ocorreram em ocultações observadas entre 2018 e 2021 e juntas revelaram a presença do anel. A partir da medida destas quedas, as propriedades físicas do anel foram determinadas, como a largura e quantidade de material presente. Além da detecção de uma estrutura que possui uma grande variação de densidade– algo já visto em alguns anéis de planetas gigantes, mas nunca em pequenos corpos.

 

Legenda: Variação da luz da estrela ao longo do tempo obtida no Gran Telescopio Canarias de 10.4 metros. As regiões em azul no painel superior foram expandidas nos painéis inferiores (esquerda) e (direita) para melhor visualização das quedas ligadas ao anel de Quaoar.

 

O que mais surpreendeu os cientistas é que o anel não deveria estar lá! Distante cerca de 4.100 km do corpo principal, o que corresponde a cerca de 7,4 raios de Quaoar, ele está muito além do limite de Roche. Como proposto por Edouard Roche por volta de 1850, existe uma distância na qual as forças de maré do corpo central equilibram a auto gravidade de um satélite. De acordo com a teoria, um disco de partículas dentro desse limite não pode se acumular e formar uma lua, permanecendo sempre como um anel. Por outro lado, um disco fora desse limite, como o anel descoberto ao redor de Quaoar, deve se agregar e tornar-se um satélite, o que ocorreria em poucos anos. Até agora, as observações confirmavam a teoria de Roche: todos os anéis densos dos quatro planetas gigantes, bem como os anéis de Chariklo e Haumea encontram-se dentro ou perto do limite de Roche. O anel de Quaoar desafia esse quadro.

 

A descoberta desencadeou estudos numéricos originais apresentados no mesmo artigo. Simulações numéricas foram realizadas utilizando os parâmetros do anel de Quaoar. As leis de colisão classicamente usadas para descrever os anéis de Saturno resultaram em um rápido acúmulo de partículas, como esperado. Porém, outras leis de colisão como as obtidas para baixas temperaturas mostram o oposto. Assim, enquanto o critério de Roche parece robusto para explicar como um satélite se quebra por forças de maré para formar um anel, o processo inverso – o acúmulo de partículas em um satélite – envolve mecanismos mais complexos, que foram anteriormente negligenciados.

 

Legenda: Representação artística de Quaoar, seu anel e sua lua Weywot à esquerda. Crédito: ESA, CC BY-SA 3.0 IGO.

 

Novos estudos ainda são necessários para melhor entender o anel de Quaoar e como ele existe fora do limite de Roche. Porém, uma coisa é clara: esta descoberta mostra que os anéis em pequenos corpos devem ser mais comuns do que se pensava, e devem se apresentar em variadas formas, desafiando os cientistas a entendê-los. O estudo destas estruturas pode auxiliar os cientistas a responderem questões fundamentais sobre os mecanismos de formação de “luas” em torno de planetas do Sistema Solar e de outros sistemas estelares.

 

Referência: Este estudo foi publicado com o título “A dense ring of the trans-Neptunian object Quaoar outside its Roche Limit” na edição da revista Nature do dia 09 de fevereiro de 2023, sob a autoria de B. Morgado e colaboradores, DOI: 10.1038/s41586-022-05629-6, disponível no link abaixo:

https://www.nature.com/articles/s41586-022-05629-6

 

Contatos de alguns dos pesquisadores brasileiros envolvidos na pesquisa:

Prof. Dr. Bruno Eduardo Morgado

Observatório do Valongo, UFRJ, Rio de Janeiro

<bmorgado@astro.ufrj.br>

 

Prof. Dr. Felipe Braga Ribas

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba

<fribas@utfpr.edu.br>

 

Prof. Dr. Rafael Sfair

Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia, UNESP, Guaratinguetá

<rafael.sfair@unesp.br>